|
|
|
|
|
Concerto, 11/8/2016 |
Por Irineu Franco Perpetuo |
|
Jonas Kaufmann: parabéns, Mozarteum Brasileiro!
|
|
Para uma ocasião histórica, um concerto histórico. Celebrando 35 anos de
atuação fundamental em nosso cenário musical, o Mozarteum Brasileiro trouxe
ao Brasil um nome à altura da ocasião: o tenor alemão Jonas Kaufmann, 47,
que, ao lado de seu compatriota, o pianista Helmut Deutsch, deu recital em
uma Sala São Paulo abarrotada e arrebatada em 10 de agosto, uma
quarta-feira.
Kaufmann é um astro da ópera, mas o programa que veio
na bagagem de sua turnê sul-americana (a ser repetido em Lima, dia 12, e no
Colón de Buenos Aires, dia 14) era uma autêntica Liederabend. O universo do
Lied é ainda distante do público brasileiro; assim, o Mozarteum teve a
gentileza não apenas de distribuir um programa com as letras traduzidas de
cada canção, como fez projetar legendas acima do palco. Além disso, um aviso
sonoro, antes do concerto, explicava que não se deveria aplaudir depois de
todas as obras, mas apenas ao final dos blocos dedicados a cada compositor.
Dono de um belo timbre escuro, Kaufmann é sobretudo um artista de
nuanças, enamorado de pianíssimos e requintes de fraseado. Nada melhor,
assim, que o ambiente intimista do Lied para ressaltar suas qualidades de
revelador dos mais recônditos detalhes da ourivesaria de grandes
compositores, ao encontrarem linhas melódicas e harmonias para vestir
obras-primas da literatura.
Versátil, Kaufmann parecia tão em casa no
francês de Charles Baudelaire (L’invitation au voyage, de Duparc) quanto no
alemão de Goethe (Der Musensohn, de Schubert). Seu pungente Der Lindenbaum,
de Schubert, deu vontade de ouvir na íntegra o ciclo a que ele pertence, Die
Winterreise – assim como a seleção de cinco dos Kerner-Lieder, coroada por
uma leitura estentórea de Stille Tränen, também despertou desejo de escutar
o ciclo de Schumann por inteiro.
Na verdade, Kaufmann é um artista
tão convicto e convincente que a gente fica disposta a desfrutar do que ele
nos propuser, da forma que achar mais adequada. Embora o item em que ele
presumivelmente mais se sentisse em casa fossem as canções de seu
conterrâneo bávaro Richard Strauss – cantadas de forma esfuziante, que ele
espertamente escolheu para encerrar o programa –, sua mescla de vigor vocal
e suprema maturidade e inteligência musical atingiu o ápice no item que as
antecedeu: a trinca de sonetos de Petrarca musicados por Franz Liszt.
É música que circula mais na sublime versão para piano solo do próprio
Liszt, mas que bem merecia ser ouvida com maior frequência na forma vocal.
Ao se debruçar, no século XIX, sobre versos escritos em italiano, quinhentos
anos antes, pelo pai fundador do soneto, Liszt mobilizou uma admirável gama
de recursos evocativos e expressivos para transmitir os afetos e as imagens
da lírica de Petrarca.
Ao nos guiar por esse universo que aspira ao
celestial e transcendente, Kaufmann teve em Helmut Deutsch não um mero
acompanhador, mas um ativo e consciente parceiro de música de câmara.
Deutsch é o pianista que atuou por doze anos ao lado do mítico Hermann Prey
e, na Sala São Paulo, além de artista consumado do teclado, revelou-se um
supremo conjurador de climas e atmosferas, quer nos momentos de força e
exaltação, quer nos de suavidade e contemplação.
Se minha experiência
anterior com Kaufmann, em 2012, no Festival de Salzburgo, fora algo
frustrante [quem estiver curioso pode ler aqui] , dessa vez me senti
completamente satisfeito e vingado. O bis foi praticamente um bloco à parte,
com nada menos que cinco itens, sem excluir ópera: atiçado com L’anima ho
stanca, de Adrianna Lecouvreur, de Cilea, o público se sentiu louvado para
urrar ao reconhecer a introdução de Recondita armonia, da Tosca, de Puccini.
Depois de se esbaldar com os arroubos do verismo italiano, Kaufmann fez
ainda uma carícia na plateia local com o singelo Azulão, de Jayme Ovalle,
coroando um recital para guardar na memória e no coração por muitos anos.
Parabéns, Mozarteum Brasileiro!
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|